segunda-feira, 6 de maio de 2013

Um grande medo


Poeta Fernando Caldeira, Águeda, 1842 – 1894


            … / …
            Águeda quiz-lhe muito – quere-lhe hoje ainda atravez da sua memoria. Quando na tarde embaceada de 4 de Abril de 1894 o seu cadaver, ido de Lisboa, atravessou as ruas hirtas da vila em direcção ao jardinsito fúnebre do Adro, Águeda dobrou-se toda, de coração ajoelhado, numa homenagem sentida ao seu poeta. Fecharam-se os estabelecimentos. As mulheres vestiram de luto …

            Vem a proposito transcrever aqui o seguinte testamento meio supersticioso, meio sinistro, escrito pelo punho do poeta e que sempre o acompanhava, enquadrado numa pequena moldura de pau-preto, como aviso macabro-filosófico de que um horrível pensamento fizesse um «bibelote» de viagem atravez de solares de que fosse hospede e anónimos quartos de hotel:

                        Na idéa de morrer aflige-me mais a saudade imensa da vida do que o medo. Se
                        porem, não tenho medo de morrer, tenho verdadeiro terror com a idéa de que
                        poderão enterrar-me vivo. – Penso, que no mistério dos tumulos se passam,
                        para sempre ignorados, muitos, muitos desses horrores; é esta a mais constante
                        preocupação do meu espírito. – Peço pois a meus irmãos e aos meus amigos
                        que, ou seja por doença (e qualquer doença) ou por morte repentina, quando
                        eu fôr dado morto, «só trinta e seis horas» depois consintam que eu seja
                        removido da minha cama – onde me velarão constantemente duas pessoas
                        caridosas e não timoratas; sendo de nove em nove horas observado por médico,
                        que antes  dos sintomas de decomposição me apliquem choques eléctricos e
                        «afinal me cortem as carotidas»: - Lisbôa, 30 de Abril de 1890.
(a) FERNANDO CALDEIRA

            …/…

            Excerto de artigo assinado por António de Cértima
            Revista ABC, n.º 111 – Lisboa, 31 de Agosto de 1922


Sem comentários:

Enviar um comentário