Poeta Fernando Caldeira, Águeda, 1842 – 1894
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Águeda
quiz-lhe muito – quere-lhe hoje ainda atravez da sua memoria. Quando na tarde
embaceada de 4 de Abril de 1894 o seu cadaver, ido de Lisboa, atravessou as
ruas hirtas da vila em direcção ao jardinsito fúnebre do Adro, Águeda dobrou-se
toda, de coração ajoelhado, numa homenagem sentida ao seu poeta. Fecharam-se os
estabelecimentos. As mulheres vestiram de luto …
Vem
a proposito transcrever aqui o seguinte testamento meio supersticioso, meio
sinistro, escrito pelo punho do poeta e que sempre o acompanhava, enquadrado
numa pequena moldura de pau-preto, como aviso macabro-filosófico de que um horrível
pensamento fizesse um «bibelote» de viagem atravez de solares de que fosse
hospede e anónimos quartos de hotel:
Na idéa de
morrer aflige-me mais a saudade imensa da vida do que o medo. Se
porem,
não tenho medo de morrer, tenho verdadeiro terror com a idéa de que
poderão
enterrar-me vivo. – Penso, que no mistério dos tumulos se passam,
para
sempre ignorados, muitos, muitos desses horrores; é esta a mais constante
preocupação
do meu espírito. – Peço pois a meus irmãos e aos meus amigos
que,
ou seja por doença (e qualquer doença) ou por morte repentina, quando
eu
fôr dado morto, «só trinta e seis horas» depois consintam que eu seja
removido
da minha cama – onde me velarão constantemente duas pessoas
caridosas
e não timoratas; sendo de nove em nove horas observado por médico,
que
antes dos sintomas de decomposição me
apliquem choques eléctricos e
«afinal
me cortem as carotidas»: - Lisbôa, 30 de Abril de 1890.
(a) FERNANDO CALDEIRA
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Excerto de artigo assinado por António de
Cértima
Revista
ABC, n.º 111 – Lisboa, 31 de Agosto de 1922
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