Artigo publicado na revista ABC –
Ano II – n.º97, Lisboa, 18 de Maio de 1922
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A aparição de Fátima
Há quem duvide e
quem acredite, quem discuta e quem se convença diante dos milagres. Há mesmo
quem traiçoeiramente derruía à dinamite os templosinhos que a piedade ergue num
doce alívio de alma que a ninguém faz mal, antes aos crentes faz bem. Foi o que
sucedeu há pouco em Fátima lugar de milagre, no qual têm ajoelhado muitos
milhares de pessoas de todas as camadas sociais numa terna evocação duma lenda
formada, encorpada, consistente.
Como nos velhos
contos do passado… Uns pastorinhos andavam no monte guardando os seus gados,
quando uma linda senhora lhes apareceu e tão formosa, tão fulgurante, tão cheia
de encanto que as três criancinhas se quedaram a olhá-la no seu vestido lirial,
no seu gesto calmo de quem chega do Céu.
Era num dia 13 de
Maio, já lá vão cinco anos e a voz suavíssima da aparição convidara os
pastorinhos a ali irem todos os meses em igual dia. Revelou-se o caso, falou-se
do milagre, acorreram boas almas, apareceram curiosos, e o lugar de Fátima –
onde a Senhora do Rosário surgira diante dos olhos inocentes dos rudes
guardadores de gado – tornou-se um plaino de visões, de evocação, de fé. De
todo o país acorreu gente crédula e gente devorada de curiosidade,
transportaram-se de longe os devotos e os incrédulos, e é certo, pelo menos
assim o afirma o culto espírito do doutor José Maria Proença de Almeida Garrett
que um estranho fenómeno ali se passou em 13 de Outubro de 1917. Saíra um fumo no lugar sagrado como se balançassem
um turíbulo enorme sob a vaga forte da
chuva; e não se acendera fogo, um sol rutilo, forte, que os olhos dos mortais
fixaram sem dor rasgara-se no vasto céu. Os espectadores tinham ajoelhado, nas
almas entrava uma mais firme crença de que alguma coisa de sobrenatural ali se
passava.
Daí por diante,
nos dias 13 de cada mês, acorre ali o povo não só dos lugares vizinhos mas de
grandes distâncias; milhares de pessoas, mulheres, homens, crianças, chegam
cheias de fé porque se têm dado curas estranhas nos devotos da formosa
aparição. Fazem-se peregrinações que já num ano se quiseram sufocar entre
metralhadoras, num cerco de soldados, numa floresta de baionetas, e para se
quebrar a lenda atiraram-se bombas á capela que a piedade ergueu. A
intolerância instalou-se nesta nação onde não se consente que cada um pense
como deseja, a força de um ateísmo pretende impor-se sempre, a quem ama a
religião, numa ferocidade estranha não sabendo ver, os que assim procedem, que
quanto mais se persegue o sobrenatural mais ele se enraíza nas almas.
Que mal faz um
lenda a nascer na orla dum caminho, uma historia doce como as doutras idades,
florescendo como uma roseira brotando dum rochedo adusto? Nenhum mal faz, vai
antes dar às almas consolos que não lhes podem dar as teorias por mais lógicas
atiradas contra a sua fé.
A liberdade pura é
só uma e é para todos como um astro riço e poderoso iluminando igualmente. Não
o entenderam assim e no lugar de Fátima, quanto mais não seja, sagrado pela
prece e pela crença dos milhares de pessoas que ali ajoelham, mensalmente, a
13, numa evocação da doce legenda e pedindo a Deus as curas das suas dores,
passou a destruição brutal como se o dinamite ferindo um templosinho
extinguisse a fé nas almas às quais é melhor tentar convencer do que esmagar.
Redobraram as
peregrinações, depois dos atentados; como se uma corrente de nova energia
galvanizasse os espíritos não houve maneira de deter os crentes. Alastrou-se
por Portugal inteiro a fama da imagem, da visão dos pastorinhos e o que teria
sido um simples incidente religioso, passado entre os devotos, tornou-se num
caso sensacional a que não é possível esconder a importância.
Mais uma vez, no
aniversário da aparição, almas que sofrem ali vão peregrinar sendo de todo o
bom senso não lhes impedir que exerçam o seu livre direito de prece e não
consentir energúmenos a prejudicarem esse enleio dos espíritos que não
encontrando na terra lenitivos para as suas amarguras fervorosamente para o Céu
se voltam.
(transcrição)
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