sexta-feira, 31 de maio de 2013

No inferno


A tristeza que aí vai. Quanto mais se fala, se critica, se comenta, se javarda em verborreias incontinentes, pior; só mais tristeza!
Eu resumo o que aconteceu. Aqui há três anos morremos e fomos para o inferno. Estamos agora a atravessar o campo de todas as expiações, vai cheia a barca e transborda de lamentos, e nem podemos contar com o barqueiro, demos-lhe duas moedas e cuspiu nelas.
É assim o inferno, um cenário velho como a noite onde todos os diabos e figurantes são eles também almas penadas.
Não nos enganemos.
Aparece o demónio velho rodeado da esquerdalhada  sem nome, que se diz bloco, incréu, homofilo, confuso e baralhante, estupurador indignado, que toca tambor de guerra disfarçado de bater no peito, que rasga as vestes mais para a orgia do caos  do que para abrir o peito – cheio de podres. Aparece o demónio velho e reúne a escumalha, faz parte do cenário.
Morremos e fomos para o inferno. Estamos a atravessá-lo.
Fora de cena quem não é de cena, choremos e ranjamos os dentes, somos os actores deste acto, a tragédia vai ser interpretada até ao fim.

JMP



quarta-feira, 22 de maio de 2013

À procura de um epitáfio (3)



          Voltaste ao barro, assim voltes às estrelas e estejas entre a luz

Folhas caídas



voo rápido
uma vidraça a imitar um céu
choque frontal
acaba logo tudo
dali ao chão é outra coisa que cai
o chão está cheio de folhas secas
é primavera
para o ano há mais?

terça-feira, 21 de maio de 2013

Aldeia Global



Algumas imagens de pessoas a lamber maçanetas foram encontradas neste sítio da net, outras foram mesmo captadas no meu aparelho de TV. Se a moda pega!

Coutada de Paintball



     Ao mesmo tempo que se aprova no parlamento a adopção de crianças humanas por parelhas de gays (um casal é um macho e uma fêmea), o Presidente da República fala a despropósito de um milagre da Senhora de Fátima, e isso é que é notícia!


segunda-feira, 20 de maio de 2013

Contra o (dito) Acordo Ortográfico



          Pedro Correia é jornalista e activíssimo bloguista nacional; escreve no DELITO DE OPINIÃO e tem feito um trabalho consistente e persistente para denunciar o despropósito disso a que se resolveu chamar  acordo ortográfico.
          Já está disponível nas livrarias e tem sessão de lançamento  marcada para Terça-Feira, dia 21, a partir das 18h30' na Bertrand do Picoas Plaza (Lisboa). Fará a apresentação o Pedro Mexia. 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Embarcado



Essa Voz - Samuel Úria






Fátima 1922 (1)

Artigo publicado na revista ABC – Ano II – n.º97, Lisboa, 18 de Maio de 1922
A aparição de Fátima 

         Há quem duvide e quem acredite, quem discuta e quem se convença diante dos milagres. Há mesmo quem traiçoeiramente derruía à dinamite os templosinhos que a piedade ergue num doce alívio de alma que a ninguém faz mal, antes aos crentes faz bem. Foi o que sucedeu há pouco em Fátima lugar de milagre, no qual têm ajoelhado muitos milhares de pessoas de todas as camadas sociais numa terna evocação duma lenda formada, encorpada, consistente.
         Como nos velhos contos do passado… Uns pastorinhos andavam no monte guardando os seus gados, quando uma linda senhora lhes apareceu e tão formosa, tão fulgurante, tão cheia de encanto que as três criancinhas se quedaram a olhá-la no seu vestido lirial, no seu gesto calmo de quem chega do Céu.
         Era num dia 13 de Maio, já lá vão cinco anos e a voz suavíssima da aparição convidara os pastorinhos a ali irem todos os meses em igual dia. Revelou-se o caso, falou-se do milagre, acorreram boas almas, apareceram curiosos, e o lugar de Fátima – onde a Senhora do Rosário surgira diante dos olhos inocentes dos rudes guardadores de gado – tornou-se um plaino de visões, de evocação, de fé. De todo o país acorreu gente crédula e gente devorada de curiosidade, transportaram-se de longe os devotos e os incrédulos, e é certo, pelo menos assim o afirma o culto espírito do doutor José Maria Proença de Almeida Garrett que um estranho fenómeno ali se passou em 13 de Outubro de 1917. Saíra  um fumo no lugar sagrado como se balançassem um turíbulo  enorme sob a vaga forte da chuva; e não se acendera fogo, um sol rutilo, forte, que os olhos dos mortais fixaram sem dor rasgara-se no vasto céu. Os espectadores tinham ajoelhado, nas almas entrava uma mais firme crença de que alguma coisa de sobrenatural ali se passava.
         Daí por diante, nos dias 13 de cada mês, acorre ali o povo não só dos lugares vizinhos mas de grandes distâncias; milhares de pessoas, mulheres, homens, crianças, chegam cheias de fé porque se têm dado curas estranhas nos devotos da formosa aparição. Fazem-se peregrinações que já num ano se quiseram sufocar entre metralhadoras, num cerco de soldados, numa floresta de baionetas, e para se quebrar a lenda atiraram-se bombas á capela que a piedade ergueu. A intolerância instalou-se nesta nação onde não se consente que cada um pense como deseja, a força de um ateísmo pretende impor-se sempre, a quem ama a religião, numa ferocidade estranha não sabendo ver, os que assim procedem, que quanto mais se persegue o sobrenatural mais ele se enraíza nas almas.
         Que mal faz um lenda a nascer na orla dum caminho, uma historia doce como as doutras idades, florescendo como uma roseira brotando dum rochedo adusto? Nenhum mal faz, vai antes dar às almas consolos que não lhes podem dar as teorias por mais lógicas atiradas contra a sua fé.
         A liberdade pura é só uma e é para todos como um astro riço e poderoso iluminando igualmente. Não o entenderam assim e no lugar de Fátima, quanto mais não seja, sagrado pela prece e pela crença dos milhares de pessoas que ali ajoelham, mensalmente, a 13, numa evocação da doce legenda e pedindo a Deus as curas das suas dores, passou a destruição brutal como se o dinamite ferindo um templosinho extinguisse a fé nas almas às quais é melhor tentar convencer do que esmagar.
         Redobraram as peregrinações, depois dos atentados; como se uma corrente de nova energia galvanizasse os espíritos não houve maneira de deter os crentes. Alastrou-se por Portugal inteiro a fama da imagem, da visão dos pastorinhos e o que teria sido um simples incidente religioso, passado entre os devotos, tornou-se num caso sensacional a que não é possível esconder a importância.
         Mais uma vez, no aniversário da aparição, almas que sofrem ali vão peregrinar sendo de todo o bom senso não lhes impedir que exerçam o seu livre direito de prece e não consentir energúmenos a prejudicarem esse enleio dos espíritos que não encontrando na terra lenitivos para as suas amarguras fervorosamente para o Céu se voltam.


(transcrição)

terça-feira, 14 de maio de 2013

Animais e Pensões




            Um dia, ia eu com os pescarretas num minibus, pela estrada de terra que circunda a albufeira da barragem dos Pisões, já para lá de Lama da Missa, quando encontramos uma manada bovina à nossa frente que seguia no mesmo sentido. Aos poucos os animais foram-se afastando para os lados, tendo ficado parada uma vitela barrosã, prenha pela primeira vez, mesmo no meio do caminho, pata traseira alçada a ameaçar coice, pescoço virado o suficiente para um olhar de soslaio. Como o autocarro não avançava, a manada reagrupou-se e lá fomos atrás, a curtir a lentidão e o bamboleio dos bichos. Nesse dia aprendi que os grupos podem ser conduzidos por um elemento qualquer.
            Outra vez, num percurso entre Pitões das Júnias e Paradela, numa marcha lenta para fruir das vistas, reparei num cão pastor que encetava uma perseguição ao jipe, cheio de vontade de se lançar às janelas abertas. O condutor aumentou um pouco a velocidade e fomos perseguidos pelo cão durante quilómetros. No banco de trás, rodei o tronco para ver a corrida louca. A cada curva, perdia o cão de vista mas por pouco tempo. A distância ia aumentando, mas lá vinha o cão a correr quanto podia, a cortar as curvas por dentro, determinado a alcançar o carro. Deixei de o ver num troço de curvas apertadas, com dores nos rins pela posição torcida e muito depois, já para os lados de Salamonde, ainda me voltei para trás… Ainda me lembro desse cão quando me quero convencer de que não devo deixar de perseguir um objectivo só porque o perdi momentaneamente de vista.
            Por estes dias os canais de rádio e de televisão põem os ouvintes a dizer, em directo, o que pensam dos cortes nos subsídios e nas pensões. Também se lhes pergunta se acham que é com medidas destas que o país resolve os seus problemas. Quase todos alinham as suas intervenções. O que se ouve nessas espécies de grupos de discussão é consentâneo, não só entre os mais diversos intervenientes como com a situação objectiva do país. Assim sendo, está tudo certo, e podemos dizer que desses programas se pode extrair boas soluções para os problemas que aí se põem. Logo, os problemas é que estão mal postos, e as perguntas não são as que interessa ver-se respondidas.
            Moral da história – as coisas são como são; se nos colocamos mal perante uma coisa qualquer, até podemos obter uma imagem correcta, pode é não ser a imagem do que queríamos ver.

P.S. Se tem um pássaro preso numa gaiola, providencie-lhe um pequeno espelho de forma que não se sinta tão só.

Pitões das Júnias 

Zeca e Lina



segunda-feira, 13 de maio de 2013

quinta-feira, 9 de maio de 2013

António de Cértima


Texto assinado por António de Cértima, publicado no n.º 115 da revista ABC, de 28/09/1922 – Ilustração de Martins Barata

António de Cértima (Oiã 1894 – Tondela 1983), foi cônsul em Dakar e em Sevilha
Nome de baptismo, António Augusto Gomes Cruzeiro


Maria Dolorosa
(RETRATO DE MULHER EM SEDA CRUA)
                                                                                                    
Falar dela a esta hora fulva e sob este céu ardente, copiado das páginas reverberantes de «Il Fuoco», é mal pronunciar, simplesmente, o alfabeto das suas frivolidades: as suas vinte e cinco «Tailleurs» e os seus vinte e cinco anos representados em outros tantos «batons» e bistres – idioma de perfumes e elegâncias em que ela nacionaliza as suas atitudes. Por isso, a despeito dos magnetismos cerúleos com que a evoco…; a despeito da febre de meus nervos de Outono onde ela se atulipa com passos rítmicos de folha seca, eu apenas sei repetir, aqui, aquela fotografia contorsiante em que uma vez a revelei sobre a seda crespa de minha sensibilidade – uma seda crua, com relevos neuróticos, de onde a Duse cortou os seus vestidos…      
………….
         - La «Douleureuse»! A sua vida é um livro mas um livro raro, com páginas de Wilde e Soror Mariana, sem «vient de paraitre» nem editor: é um livro por editar. A capa deste livro, «brochée» por dentro a inéditos de Camilo e folhas aliciantes de begónia, é, à nipónica, de um tecido original, com ramagens berrantes de paixão… o tecido do seu corpo – tapeçaria plástica dos tecidos das anatomias requintadas de Paris. O seu corpo é, pois, uma capa rara com um desenho a sanguínea – a sua boca, tirada em papel «couché», o «couché» da sua beleza.
         António Soares deformou-a para a capa de uma edição plagiada com talento: a «Leviana» de António Ferro. Mas ainda assim a sua boca não se perdeu cm o roubo de tintas do pintor. Continua posta no seu corpo, sortílega, inatingível, suprema, como precioso ex-libris de fascinação a etiquetar toda a sua vida – esse livro cujas folhas intactas, por abrir, eu rasgo agora delicadamente com o corta-papel da minha amizade.
         Tenho aqui um maço de cartas-programa, formato teatral, bilhetes, pensamentos, retratos, e alguns dos seus artigos inéditos, destinados aos jornais onde colabora, - enfim, toda uma argamassa de jornalismo e arte em que ela se tem publicado para mim em folhetins, no folhetim branco do seu corpo! E agora, como em todos os intervalos da minha febre, como sempre, eu, encostado na «maple» doce da sua lembrança, leio-a toda nesta biblioteca com que tem guarnecido, com os seus nervos e com os seus dedos melodiosos, as estantes literárias de meu coração de moço. E nesta leitura vai uma tarefa emotiva e contumaz: ando a ver se a foco na objectiva da minha nevrose, a ver se a fixo como quero na minha estesia a fim de a resumir numa epígrafe vibrátil e única – essa epígrafe em que ela viaja pelo mundo, laconicamente, sinteticamente, sem comentários e sem programas, muito senhora de si e de suas tendências singulares, como uma grande página esguia, sem texto, que fosse submetida à censura de Deus.
         Maria Dolorosa, é assim a mulher «hors-programme». Poucos a compreendem visto que toda a gente vem para o tablado onde ela passa como um meteoro ardente, a faulhar de arte, a horas certas – as horas do censo comum – e ela, supremamente egoísta e aristocraticamente «aparte», vem sempre fora de horas.
         A vida é hoje um enxundioso monopólio de burgueses; os seus sentimentos, as suas paixões são outras tantas figuras que o preconceito – o grande novo-rico – mandou gravar num medalhão servil, em barro das Caldas – as caldas da moral! Ora, Maria Dolorosa, maquilhada de uma independência «raffinée» tem vindo pela vida fora lendo esse medalhão no anverso para fugir ao horror da vulgaridade, e de aqui os seus dois escandalosos processos, escandalosos para os seus leitores ignorantes: ela fez do Amor um meio e da Dor um fim! Amorosa e santa desta maneira, tem-se enchido de lágrimas com que escreve a negro o seu drama, esse intenso drama «só para raros» que o Hamlet da sua boca teima em fazer representar a sério mergulhando os floretes do seu «charme» no peito dos espectadores…
Maria Dolorosa é um livro raro, meus senhores – o meu melhor livro do século XX, aquele em que trabalha pacientemente com a laboriosa pertinácia de um construtor de séculos.
Ela ficará, portanto, sendo um século – o século do seu corpo e da sua boca imortal – fechado com requinte, e a fechos de prata, dentro de um livro – a sua vida- e que eu ainda não publiquei por não ter acertado com o título… o título do seu beijo!

                                                                  ANTÓNIO DE CÉRTIMA

P.S. – Chega-me a notícia de que Maria Dolorosa acaba de casar – isto é, encheu de gralhas o livro da sua vida. Ficará uma edição errada: tentando o público pela capa mas com as linhas do texto desconjuntadas pelo dedo ignominioso do marido…
                                                                                     A. de C.

O livro de que se fala no texto, com capa de António Soares

Sobre LEVIANA de António Ferro aqui
Sobre o Mestre António Soares, aqui

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Dito (50)

O homem a meter para casa com uma pá, e a mulher a tirar com o bico da agulha, pode sair mais do que o que entra.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Um grande medo


Poeta Fernando Caldeira, Águeda, 1842 – 1894


            … / …
            Águeda quiz-lhe muito – quere-lhe hoje ainda atravez da sua memoria. Quando na tarde embaceada de 4 de Abril de 1894 o seu cadaver, ido de Lisboa, atravessou as ruas hirtas da vila em direcção ao jardinsito fúnebre do Adro, Águeda dobrou-se toda, de coração ajoelhado, numa homenagem sentida ao seu poeta. Fecharam-se os estabelecimentos. As mulheres vestiram de luto …

            Vem a proposito transcrever aqui o seguinte testamento meio supersticioso, meio sinistro, escrito pelo punho do poeta e que sempre o acompanhava, enquadrado numa pequena moldura de pau-preto, como aviso macabro-filosófico de que um horrível pensamento fizesse um «bibelote» de viagem atravez de solares de que fosse hospede e anónimos quartos de hotel:

                        Na idéa de morrer aflige-me mais a saudade imensa da vida do que o medo. Se
                        porem, não tenho medo de morrer, tenho verdadeiro terror com a idéa de que
                        poderão enterrar-me vivo. – Penso, que no mistério dos tumulos se passam,
                        para sempre ignorados, muitos, muitos desses horrores; é esta a mais constante
                        preocupação do meu espírito. – Peço pois a meus irmãos e aos meus amigos
                        que, ou seja por doença (e qualquer doença) ou por morte repentina, quando
                        eu fôr dado morto, «só trinta e seis horas» depois consintam que eu seja
                        removido da minha cama – onde me velarão constantemente duas pessoas
                        caridosas e não timoratas; sendo de nove em nove horas observado por médico,
                        que antes  dos sintomas de decomposição me apliquem choques eléctricos e
                        «afinal me cortem as carotidas»: - Lisbôa, 30 de Abril de 1890.
(a) FERNANDO CALDEIRA

            …/…

            Excerto de artigo assinado por António de Cértima
            Revista ABC, n.º 111 – Lisboa, 31 de Agosto de 1922