segunda-feira, 23 de abril de 2012

O Paradigma Perdido

      
     

O reino do sapiens corresponde a uma irrupção maciça da desordem no mundo. O sonho nocturno do homem já se diferencia do dos animais pelo seu carácter desordenado. Jouvet (em publicação) mostra-nos que os sonhos dos gatos são extremamente estereotipados e apenas reproduzem os grandes esquemas genéticos da espécie (80% de sonhos de predação de animais pequenos, 10% de sonhos de defesa contra inimigos mais fortes, 10% de sonhos alimentares). O sonho humano embora polarizado e orientado por obsessões permanentes, prolifera de maneira enovelada e desordenada.
            Além disso, todas as fontes de desregramento que já se assinalaram (regressão dos programas Ngenéticos, ambiguidade entre real e imaginário, proliferações fantásticas, instabilidade psicafectiva, ubris) constituem, por si próprias, fontes permanentes de desordem.
            A ordem está na cultura, na sociedade. E, certamente, a desprogramação genética está ligada à programação sociocultural, ao sistema de normas e de interdições, às regras de organização da sociedade, que sustêm a desordem e lhe sabem dar folga, designadamente nos dias de festa. Mas, logo que entrarmos na era das sociedades instáveis, quer dizer, na era histórica, veremos desencadear-se a ubris e a desordem, os antagonismos internos, as lutas pelo poder, os conflitos exteriores, as destruições, os suplícios, os massacres, as exterminações, a ponto de «o ruido e o furor» constituírem um aspecto principal da história humana.
            Assim, as desordens históricas surgem simultaneamente como a expressão e a resultante de uma desordem sapiental inicial. Contrariamente à crença recebida, existe menos desordem na natureza do que na humanidade. A ordem natural é muito mais fortemente dominada pela homeostasia, pela regulação, pela programação. É a ordem humana que se desenvolve sob o signo da desordem.
           



Edgar Morin, nasceu em Paris a 8 de Julho de 1921
Antropólogo, sociólogo e filósofo francês, judeu de origem sefardita.

A transcrição acima é de:
O Paradigma Perdido – a natureza humana (1973)                         
Publicações Europa-América – Biblioteca Universitária

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