O rapa jogava-se a pinhões por alturas do Natal, geralmente ao serão, com uma braseira por perto e o cão aos pés.
O pequeno pião manufacturado na oficina do bisavô, terá sido obra de um dos tios mais novos, a explorar a habilidade das pequenas mãos nas pesadas máquinas movidas pelo veio comum que girava continuamente, de uma ponta à outra da oficina. Desse veio provido de polias de diferentes tamanhos, pendiam correias de couro em diferentes estados de desgaste; umas escuras e brilhantes a denunciar as tensões e os atritos suportados, outras ainda com o pelo e com a cor do animal. A polia maior estava na vertical do esmeril – um eixo apoiado em duas grandes chumaceiras com uma pedra de cada lado, uma fina e outra mais grossa. Sobre o torno, a grande e larga roda de quatro raios, presa ao veio por dois parafusos, um de cabeça quadrada e outro de cabeça sextavada, brilhava polida em toda a excepcional largura, que havia de dar para qualquer das três polias – logo três velocidades – que o torno tinha.
Imagino todos esses movimentos transmitidos ao pequeno cilindro de latão, a deixar-se burilar, fortemente mordido pelas maxilas da enorme bucha, feita para agarrar desde a fina vareta ao grosso toro de metal.
Quando faço girar o pequeno pião revejo no movimento o acto que o criou, é como se estivesse a devolver a vida ao longo e velho veio primordial, que tudo movia, que tudo deu, impelido numa ponta, e disponível a todo o comprimento.
Não foi feito todo de uma vez, com toda a certeza. O bocadinho de metal foi sendo desgastado e acrescentado de cada uma das suas feições em muitos episódios, em tempos roubados à montagem de um pulverizador, à soldadura do corpo interno de um autoclave de esterilização, ao polimento de um passador…, entre os quais ficava a aguardar atenções juntamente com os finos bicos dos aspersores, irmãos nos cuidados requeridos.
Foi feito girar para aferir o equilíbrio e, para concluir, foram-lhe gravadas as letras R, T, D, P. Logo de seguida rodopiou, pela primeira vez inteiro e completo, até que se horizontalizou, imobilizou e disse:
– Deixa!
Tenho ainda um outro pião que encontrei eu, muitos anos depois de ter sido torneado e fresado, displicentemente adormecido entre bicos de aspersor, num pequeno tabuleiro de madeira, tudo coberto por limalha fina, fuligem do forno de fundição arrefecido há décadas, e pó. Esse pião não rodopia. Dado o impulso próprio, capota desordenado imobilizando-se rapidamente sobre um dos lados que nem sei se é sempre o mesmo ou não. Ele não possui letras gravadas, nem chega a ser um pião – não rodopia – mas também não engana! Dizer que é um pião, é transliterar do passado longínquo a linguagem arranhada pela fuligem do coque, diluída no crepitar do fogo e estalidos de choque térmico, para a vontade de falar sobre o que incorporo do movimento daquele veio e do equilíbrio do meu rapa.
Para ficar a saber tudo sobre o jogo do rapa, aquil
Desconhecia por completo a existência desse jogo. Vivendo e aprendendo. :)
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