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- Mas Deus, que é Deus de misericórdia, como pode tolerar que estes sofrimentos continuem? – perguntei eu. – Como pode escutar impassível os gritos de angústia?
O velho arcanjo olhou cauteloso à sua roda, com temor de que alguém ouvisse a resposta.
-Deus está velho e cansado – murmurou, como espantado do som das suas próprias palavras – e tem o Coração angustiado. Os que O rodeiam e por Ele velam com infinito amor não têm coragem de perturbar o Seu repouso com essas perpétuas descrições de horrores e de lágrimas. Muitas vezes acorda de um sono de pesadelo e pergunta donde procede esse ruido de trovão que chega aos seus ouvidos e esses relâmpagos que sulcam as trevas. E os que O rodeiam dizem que o trovão é a voz da tempestade empurrando as nuvens e os relâmpagos os seus raios. Então, as pálpebras fatigadas tornam a fechar-se.
- Tanto melhor, venerável arcanjo, tanto melhor! Porque se Seus olhos tivessem visto o que eu vi e Seus ouvidos percebido o que os meus ouviram, o Senhor ter-se-ia arrependido uma vez mais de haver criado o Homem. De novo teria ordenado que se rompessem as fontes do grande abismo para destruir a Humanidade. Desta vez teria destruído até ao último e só deixaria na arca os animais.
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Axel Munthe (31/10/1857 – 11/02/1949)
Escritor e psiquiatra sueco, foi também um grande filantropo e defensor dos direitos dos animais. Praticou medicina em Roma e Paris tendo chegado a médico da Família Real sueca.
O excerto acima é d’O Livro de San Michele – 1929
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