Enquanto fotografo o cruzeiro, atravessa a estrada de frente para mim, o poeta António Rodela.
- Venha cá, também ficou na fotografia.
- A tirar fotografias ao cruzeiro, é simples, há mais bonitos…
- É bonito, robusto, e alto
- Já escrevi umas coisas ao cruzeiro, um soneto, até tenho aqui
O Rodela abriu a maleta de mão e expôs um grosso monte de papéis escritos com letra muito certinha, e um caderno; localizou a folha com os versos ao cruzeiro como se nunca tivesse tido outra em mente.
Cruzeiro dos meus tempos de menino,
Quantas noites inteiras de verão
Eu faço a minha cama no teu chão,
Até que para a missa toque o sino.
E as vezes que eu girei em procissão
Aqui ao teu redor, de opa ou de anjinho,
No papel de autêntico santinho,
Embora fosse só de ocasião.
Os teus braços velhinhos e cansados
São a mais linda renda de bordados
Que a nossa terra põe na mesa.
Quando tem que assear os seus portais
Pra receber visitas cordiais,
Em ti até o sol tem mais justeza.
Rodela, 11-10-2002