terça-feira, 5 de junho de 2012

Portugal, Portugal

Ainda estava eu a ressacar da cobertura noticiosa da partida da selecção nacional para o EURO 2012, quando fui atingido por uma notícia mesmo no sítio onde me nasce o senso.
Ontem vi o autocarro da selecção a chegar ao aeroporto, um jornalista atarefado por arrancar mais umas palavrinhas salvíficas aos jogadores todos enfatuados, muito escarafunchosos nas suas cabecinhas contidas entre grandes headphones. Depois, vi o avião a descolar, e entretanto, o tanto que se disse… A palavra Portugal saía a cada dez segundos, entre “os nossos heróis”, Portugal, Portugal, e a bandeira plasmada em todos os suportes, em tantas caras, nas roupas, no avião alvo e penetrante a subir ao céu. Os noticiários abriram com a notícia de que “os nossos heróis” já tinham partido, já voavam, por aquela hora atravessavam pujantemente as alturas, Portugal lá ia, todos nós com o cinto posto enquanto não se apagarem os sinais de luz A repetição da descolagem e Portugal, Portugal, é Portugal, somos nós a dez mil metros de altitude, a novecentos e cinquenta à hora, a temperatura exterior é de menos oito e quando aterrarmos espera-nos a noite e tempo fresco, Portugal. Há um gajo com o microfone na mão – já lá está! Está à espera que o avião aterre; é Portugal a receber Portugal enquanto Portugal espera, e crê, e ama, e sofre Portugal.
 Notícia de última hora, o avião vai aterrar. É de noite fechada mas um potente foco rasga tudo e cresce, cresce… Cresce Portugal, e aterra.
Ainda ressacava da noite mal dormida, da insónia povoada de pessoas com a cara desfigurada por vermelho e verde, de joelhos no chão molhado por lágrimas copiosas. Gritam e batem com as mãos no peito. Das bocas com os dentes por tratar sai Portugal, Portugal… É Portugal a rebentar os joelhos no asfalto, a rebentar o peito com sentimentos vendidos em kit no Continente, a rebentar a boca com refrigerantes gaseificados, açucarados, coloridos, é Portugal.
Ainda ressacava, e ouço que as brigadas da GNR e da polícia que mandam parar os carros, poderão ter a cooperação de um agente das finanças para reter as viaturas de quem tiver dívidas ao fisco. Ao mesmo Estado que nunca paga a horas e gasta à tripa-forra, sobra-lhe para pagar a quem nos trave a marcha, nos tire da estrada com um gesto resoluto e nos lembre do que fizemos de Portugal.
Ai Portugal, Portugal  £#?%$'"@?????

Jorge Palma | Portugal, Portugal

2 comentários:

  1. Este país só me dá tristezas. As pessoas têm dívidas porque já foram depenadas pelo Estado, a empresa onde trabalhavam faliu por ter sido depenada pelo Estado e agora o pessoal que ainda conseguia ir fazendo uns biscates não declarados para dar de comer aos filhos, tendo em atenção para não passar pelas SCUT para não serem depenados, vai, num grande final épico, ficar depenado do seu veículo e viver para debaixo da ponte, que por acaso não é vertical, se entretanto não vier o Estado pedir uma taxa de ocupação por estar tanta gente debaixo da ponte horizontal e isso ser uma oportunidade sem par de realizar mais alguns cobres à conta da miséria humana. Repugnante.

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  2. Isto dá-me a volta ao estômago, Luciano. Eu até entendo que, ao ponto a que o país chegou, se tenha que fazer cobrança abusiva. Não entendo é que se queira ser governante, e se mostre que não se percebe patavina do que se está a passar. O Estado continua a pagar a agentes da Guarda, da Polícia, da ASAE, do Infarmed, do Ambiente, da Ecomomia... para cobrar multas que nesta altura são o tiro de misericórdia (no país)!
    - As pontes verticais são estruturas complexas!
    Abraço.

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