Já escrevi este texto várias vezes e de diferentes formas. Tem resultado invariavelmente num desabafo, incluído sempre palavras duras e grosseiras, longo, longo demais, desfocado e denunciador de um espírito humilhado, ofendido, em grito de socorro ou de vingança. Lido no fim da escrita corrida e compulsiva, vejo-me exposto, revejo-me num dos meus piores ângulos, não gosto, e enjeito-o.
Hoje tento mais uma vez. Alinhei como que um guião, em que me vejo a mim próprio a falar – não posso ser longo, devo refrear a ira, manter a compostura, e essencialmente, ser conciso.
Quero dizer que a responsabilidade pelo estado miserável em que se encontra a maior parte da Europa, é de quem se arroga, há muitos anos, da sua condução. Refiro-me à comissão europeia e ao parlamento europeu. Acresce, que as instituições referidas, são dotadas dos meios que entendem como suficientes, têm sido depositárias da confiança cega dos governantes dos diversos países, têm largos meios de coacção sobre os membros e têm capacidade de determinação sobre os mais ínfimos pormenores que condicionam as decisões das pessoas e das empresas.
Neste novo mundo, dos oficiais do ministério da economia substituídos por polícias de cara tapada e armados até aos dentes, dos programas de gestão de recursos empresarias (vulgo ERP) certificados, do cruzamento de dados informáticos, do fim do sigilo bancário, das escutas telefónicas generalizadas, dos observatórios para tudo e para nada, dos institutos de estatística a quem o fornecimento de dados é obrigatório, etc., sabemos pelo menos, triste consolo, a quem apontar o dedo.
Na fúria do controlo absoluto, a standardização, que no velho mundo foi tão construtiva, neste novo mundo europeu, passou a ser um dos instrumentos mais violentos de “escuta” e vigilância, e dos piores meios de controlo policial dos agentes económicos. A certificação da qualidade, nas pequenas e médias empresas, passou a ser, por um lado, uma enorme intrusão nas melhores atenções dos principais recursos humanos, por outro, um esvair insanável de recursos, e por outro ainda, criadora de imensos postos de trabalho não produtivos – os alimentadores do sistema – e de toda uma leva de profissões adstritas ao circo, mas economicamente insustentáveis.
Já trabalhei numa empresa familiar de administração clássica (autofinanciada), que não subsistiu à concorrência com as outras que se financiaram na banca e absorveram apoios comunitários – o acesso aos apoios comunitários dependia de processos encriptados, incluía o agigantamento dos projectos e sobrevalorização dos equipamentos, incompatíveis com empresas sérias.
Já trabalhei numa empresa certificada (ISO 9001) que viu o Infarmed retirar-lhe o certificado CE de produção e colocação no mercado de dispositivos médicos e dar-lhe ordem de recolher tudo – tudo – o que estava no mercado (o que provocou a falência fulminante), na mesma semana – mesma semana - em que obteve a renovação da certificação da qualidade (?).
Já trabalhei numa empresa de comércio de dispositivos médicos, certificada ISO 9001, que não tinha antes de mim, ninguém que soubesse o que era o Infarmed. O Infarmed também não sabia que a empresa existia (ou sempre se comportou como tal).
Já trabalhei numa empresa de mobiliário com uma implantação oficinal e sem um organograma definido, com uma parte da mercadoria facturada e outra (sem embalagem), com os salários pagos em cheque da empresa mais um envelope, que estava a implantar um sistema ERP completo e em processo de certificação!
Sempre que escrevo a palavra ISO no meu computador, ele corrige-me automaticamente para ISSO. Já poderia ter corrigido esse comportamento sobranceiro e incómodo da máquina, mas mantenho-lhe esse traço de personalidade. Passei a admitir naturalmente, que esta máquina desenvolveu capacidades emergentes de inteligência artificial, não desdenho totalmente dos desígnios do acaso, assim, continuo a permitir-lhe certas liberdades.
Por estes dias, permite-se a venda de produtos alimentares fora do prazo de validade, a preço mais baixo, e ISSO passa-se na Grécia. Isso, e o mais que está para vir. É por isso que quando digito ISO e o meu computador me corrige para ISSO, eu leio – é isso, é isso – andamos todos a ter de deixar “evidências” do que registamos, de forma imposta, em inumeráveis documentos internos de registo, e o que temos à evidência é esta miséria. A esta Europa premiada, gostava eu de dizer – que descanse em paz!
JMP
...e no mundo da informática a extensão iso refere-se a uma imagem de CD. :)))
ResponderEliminarE cá estamos nós a aprender.
EliminarAbraço