Agapito Silvério, o juiz presidente, demorou algum tempo até perceber que a maior parte do que sentia era autocomiseração. Tinha tido um percurso de vida de sucesso, foi um bom estudante sem se esforçar muito, cedo foi o que queria ser, foi advogado enquanto lhe deu gozo e agora era juiz e gostava. Ganhava bem, nunca tinha tido uma relação estável e fazia tudo para as evitar, trocava de carro por impulso, achava-se bonito…
Agapito Silvério, aquele nome, funcionou desde sempre como uma pedra no sapato mas ao mesmo tempo como o seu cartão-de-visita; incontornável. Até os professores mudavam o tom de voz quando o pronunciavam. Enquanto advogado habituou-se a reconhecer o peso das palavras e aprendeu a força da peculiaridade do seu nome.
Agora, naquela sala cheia e insuportavelmente bafienta, sentiu-se esmagado pela maior solidão, o sentimento mais forte que já experimentara. Certo de que eram influências da leitura das peças do processo, viu-se num momento no lugar do Cristo. Um estranho momento fora do tempo em que toda uma eternidade coube no curto gesto de voltar a pegar no pedacito de pão. Lá do alto, deixou cair o olhar sobre aquela multidão e percebeu que era dele que todos esperavam alguma coisa, apesar de tudo.
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