segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Matilde

Um dia destes voltou a acontecer, cá em casa.
A vida a abandonar um ser, e de quantas maneiras se serve para o deixar!
Às vezes de forma súbita, deixando o corpo com desprezo a estatelar-se no chão como coisa imediatamente sem préstimo. Outras vezes, como desta, muito devagar.
Veio de madrugada. De manhã era já grande o abandono. O frio já instalado nas extremidades ilustrado por matizes de azul e roxo, o sopro vital a escapar-se ficando no seu lugar uma arfar sem ritmo, o resfolegar a espaços incertos mas sempre longos, estertores…  O corpo arqueia, os membros alongam-se, uma expiração … mais um estertor, e outro… pode irromper um pranto á volta mas a dureza instalada nas gargantas é um tampão poderoso. O corpo arqueia e de seguida estica com uma expiração mais longa, descontrai-se lentamente, as pupilas abrem-se e fecham-se, espera-se, a quietude afirma-se.
Despojado de vida o corpo ainda quente é uma coisa medonha.
Vês uma luz?
Vai, segue a luz bichana.

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