Vai longa a insónia na noite chuvosa e encontro abrigo na minha memória e na liberdade dos meus pensamentos.
O som pontilhado da chuva nas árvores e nas grades da sacada, ora sugere uma torrente de fórmulas de trigonometria, como imensas sucessões de números à procura da sua fórmula geral, como logo a seguir traz ao grande quadro negro dos olhos abertos no escuro os números complexos, dízimas infinitas, constantes irracionais, todas as letras do alfabeto grego e um universo inteiro por explicar.
Alonga-se o tempo entre esse divagar e orações aprendidas há muito tempo que repito como mantras, intercalam-se memórias que me assaltam, fotografias, livros inteiros, imagens que nem sei onde as vou buscar, em todo o lado se assoma Deus e isso conforta-me. Viro-me para o outro lado e agora é uma estrela maior que o Sol e a fusão nuclear; um núcleo de hidrogénio que cai para outro e dá hélio e se cair outro dá lítio, com mais um berílio, de momento não me lembro do elemento com número atómico 5, mas sei que a seguir vem o carbono e depois o azoto e depois o oxigénio, assoma Deus – a Física é linda!
Algures num planeta a rachar de actividade vulcânica há um charco cheio de espirogiras – vai aparecer a espécie humana. Já está.
Dou por mim dentro de uma cena do livro “Contacto” do Carl Sagan. Estou na praia astral onde aporta Ellie após a sua viagem cósmica. Reconheço o areal branco e largo, as palmeiras e as gaivotas. Olho à volta e confirmo que não estou no filme que fizeram com o mesmo título do livro e nele toscamente baseado, é mesmo o livro. Lá está a porta … A prumo, na areia, encontrava-se uma porta. Uma porta de madeira, com almofadas e um puxador de latão. …/… Não era em aspecto nenhum extraordinária. Para a Terra. …/… Surgiu uma figura na praia, a algumas centenas de metros de distância. …Vou ao encontro dele, é um rapazinho de cinco ou seis anos, com uma veste simples de linho cingida por um cordel com nós nas pontas. Conhecendo-me como me conheço, é o Menino Jesus.
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