Caro Márcio, manda a verdade que diga que
o principal motivo porque te escrevo, é certificar-me da tua saúde e render-me
à tua inteligência e compreensão da condição humana. Gostarás, com toda a
certeza, de saber que recuperei a serenidade que me era natural.
Da última vez que estivemos juntos, eram
os dias curtos, valeu-nos aos dois o fogo sempre aceso, e a mim, também a tua
paciência; não foi em vão.
A paixão que me matava, que deixei crescer
até que me fizesse mal, foi um tempo apesar de tudo feliz, que não posso desprezar,
só isso. Estou curado. Ontem estive com o juiz, deixei-me ficar na posição de
pretendente rejeitado, reiterei o meu respeito por Laura, garanti-lhe a pureza
da minha dedicação, e ficou tudo bem. Sou um homem livre e desconfio que por
pouco tempo; há males que vêm por bem - Amália!
Amália voltou. Está bonita, está ainda
mais bonita. A primeira pessoa que visitou assim que chegou, fui eu. Deparei-me
com ela na sala de espera do gabinete quando voltava de casa do juiz. Ter
resolvido com o juiz, a desastrosa e impossível relação com a filha, foi
libertador e refrescante; ver Amália de pé, muito sorridente, airosa e
perfumada, linda, decote rendado e braços estendidos para mim, levou-me à idade
do despertar, senti ruborescer e renasci.
Tenho que te fazer
justiça. Fui tolo. Aproveitei a tua disponibilidade para ouvir e desabafei o
que precisava. Não te ouvi, ou nem te dei oportunidade de falar. Sei o que me
terias dito se tivesses encontrado em mim a razoabilidade de ouvir um bom e
sábio amigo. Tinha criado uma imagem interior que não correspondia àquela a quem
dirigi toda a paixão. Laura não tem culpa; é uma mulher menina, tem a pureza da
inocência que nunca ultrapassou. O viço da juventude no corpo de mulher,
despertou-me o sangue e toldou-me a razão. Lembro-me de me teres dito, só mais
tarde compreendi onde querias chegar, que uma mulher, como um homem, não pode
espraiar a existência num contínuo das idades tenras; num momento, haveria que
acontecer uma ruptura, uma estaladela no cristal, uma fímbria no plano, uma
reverberação nas superfícies da percepção, um nó na linha de costura…um sopro…,
que faltava algo a Laurinha. Lembro-me de teres terminado essa prelecção
dizendo que eu merecia uma mulher valente.
Hoje de manhã
incumbi o padre Feliciano da celebração de uma missa por intenções pessoais,
minhas. O padre olhou-me por cima dos óculos e agarrando firmemente a minha
mão, perguntou-me: - Têm as tuas intenções a dignidade do sacramento? – Ao que
eu retorqui: - Veio Cristo à terra por outra coisa que não os homens, padre? –
Não o deixei responder; disse-lhe que estou de bem com o Pai e convidei-o para
o jantar que darei hoje lá em casa, em que terei Amália do meu lado direito, o
padre do lado esquerdo, os Fão, os Sobral, e a ti meu amigo, no coração.
Manda notícias, e
visita-me logo que puderes. O branco, reserva de há três anos, só o provo
contigo
Um grande abraço,
O Godofredo não esteve com meias-medidas! Rei morto, Rei posto!
ResponderEliminarÉ assim mesmo, um coração sem dono/a não tem a qualidade de um branco reserva, já que vai ficando sem sabor...
É bom ter um amigo com quem desabafar e celebrar acontecimentos importantes da nossa vida!
Espero que o Márcio tenha comparecido ao jantar. Será que o brando de há três anos foi aberto e degustado?
Beijnhos, Zé Maria!
PS: Visitei o blog a não perder que contém uma bela e justa homenagem a Vitorino Nemésio, mas o Sapo não se deixa comentar facilmente!
Cara Janita, o Márcio vai visitar o Godofredo, alguma coisa tem que acontecer - Ainda não sei se morre uma das duas ou se Godofredo é apanhado com as calças na mão. Também não posso perder a oportunidade de encaixar uma cena tórrida. Está tudo por decidir; tenho a vida desses desgraçados na mão...
EliminarDiz-me qual é o blogue tem a homenagem a Nemésio.
Beijo
Ai, é??? Então vê lá se decides a coisa sem grandes estragos! Não sabia que eras tu o autor da carta.:)
EliminarO blogue que recomendas, é o "Origem das Espécies" do Francisco José Viegas, Zé Maria!!:))
Que cabeça a tua! Tem por título "A não perder" e quando se clica, vai directo a esse blogue.
Por sinal, bem interessante.
Beijinhos.
A minha pobre cabeça! É uma reacção alérgica ao PS - é mais forte do que eu :)
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