Ressuscitava o meu blogue só por causa disto
Jornal EXPRESSO | 22 de Novembro de 2014
ATUAL n.º 2195
Coluna . ISTO ANDA TUDO LIGADO
de:
Ana Cristina Leonardo
(a digitalização segue no fundo mas transcrevi para facilitar a leitura)
MAS A LÍNGUA, SENHOR MALACA?
Vou falar do Acordo
Ortográfico. Poucas coisas podem hoje ser dadas por adquiridas. Estabilidade é
uma palavra em desuso. O amor já não é até que a morte nos separe e os empregos
muito menos são para a vida. Sabemos que estabilidade a sério só na morte, e
era agora ou nunca que desatava a falar de entropia e de termodinâmica. Deixo isso
para o José Rodrigues dos Santos, cujo último livro, que não li, sei que se atira
à jugular da quântica. Se não li o mais recente de JRS, li há já uns anos “Imposturas
Intelectuais” de Alan Sokal e Jean Bricmont, o que até hoje me deixou sempre de
pé atrás quando ouço alguém referir gatos fechados em caixas. Acrescento que
fora eu do sexo masculino, a afirmação de Lacan lá transcrita de que o “órgão eréctil
(…) é igualável à raiz de -1 “ ter-me-ia tornado impotente. Descartado tal
problema, exponho outro. Como saltar do “órgão eréctil” para o AO? Fácil. Ao “órgão
eréctil” foi-lhe capado o cê. Recordemos. As consoantes mudas são eliminadas
quando não proferidas na pronúncia culta. No caso, o cê foi à vida, o que quer
dizer que se alguém insistir em pronunciar “eréctil” isso significará que é um
grandessíssimo bronco (a boa notícia é que, sendo bronco, não é necessariamente
impotente). Estamos, pois, assim. Viva a fonética! Hipótese: em Portugal existe
um grave problema de surdez. Ou isso ou quem assinou o AO deve responder por
crime de lesa-língua (as duas teses não se excluem entre si). Vou ser franca. Nunca
vi tanta asneira escrita. Nem o “Diário da República” escapa. Exemplos? Aos molhos.
“Fato” por “facto”. “Fição” por “ficção”. “Corrução” por “corrupção”. “Recessão”
por “receção” (já agora, que raio é “receção”?) “Ténico” por “Técnico” (pela
minha saúde!). “Contato” por “contacto” (um clássico perfilhado pelos impressos
do CTT e vários ministérios…). Dir-me-ão. A culpa não é do AO. Os portugueses é
que são uma cambada de broncos (ou surdos, na versão branda). Ora bem, e agora
que me perdoem o Sokal e o Bricmont. Um homem conduz um carro a alta-velocidade
e embate num poste de alta-tensão. O poste cai e o condutor sofre queimaduras
fatais. A autópsia revela uma taxa de alcoolemia 100 vezes superior à
necessária para anestesiar Bukowski. A escolástica diria que a causa da morte
foi Deus. Eu, modestamente, limito-me a concluir: alguém revogue o suicídio
acelerado da língua. Sem esquecer de que estamos a morrer sozinhos.
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