Passei a vida toda
confrontado com os argumentos tecidos pela esquerda incréu e tacanha, contra as
riquezas da igreja, a arte em ouro sobre as imagens, o imenso valor de objectos
e peças de arte acumulados no Vaticano, a riqueza das vestes dos prelados e tudo
o que aos olhos dos impolutos guardiões da sociedade sem moral, por tudo ser
carne, pudesse render dinheiro, esse, consensualmente digno e globalmente
entendido como real valor. Eu, submetido ao jugo da dúvida metódica, da coisa
das equidistâncias, da aceitação da diversidade dos olhares, da obrigação -
imposta pela tal moral – de sair de mim para encarnar o esfomeado, o doente, o
que sofre por desprezo, deixei-me a digerir mais essa dúvida sob o insuportável
peso do silêncio auto-infligido.
O tempo passa; os seus efeitos de bom conselheiro para os
sensatos, realizam-se perfidamente nos tontos como meninice tardia, como
sentimento de totipotência, castrismo, soarismo, ou simplesmente canavilhismo.
Nas esquerdas chiques, aquelas que sabem exactamente o que todo o homem deve
desejar e se dispõem a fazer que homem algum possa, por acidente, optar por um
caminho só seu, o tempo também lá acabou por fazer o seu efeito: depois das
experiências de mumificações apalermadas no Leste e falhadas na América latina,
deu-lhes para a “panteonite” em Portugal, a ponto de “santa Engrácia” poder ter
de voltar às obras. Estranha esta fé, tão cultivada quão renegada! É estranha
essa “fé” como estranho é o valor, tanto dado, como logo deixado de dar, às
obras de arte. Mais recentemente, a devota crença de que Portugal deveria
comprar os quadros de Miró, “caídos no colo”, mostra à saciedade quão grande
colo pode ainda a pátria ser, para alguns – sempre os mesmos.
Para já, tudo vai calmo. Nas próximas legislativas é a vez,
dizem, outra vez dos socialistas. Mais lá para a frente, vou voltar a ouvir
falar do que se poderia fazer com o resultado da venda dos bens da Igreja.
Poderemos por exemplo ir ao mercado tentar recuperar os santos ícones do
catalão, e ampliar o panteão, porque não?
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