terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Crentes no Estado e tementes à Europa



Passei a vida toda confrontado com os argumentos tecidos pela esquerda incréu e tacanha, contra as riquezas da igreja, a arte em ouro sobre as imagens, o imenso valor de objectos e peças de arte acumulados no Vaticano, a riqueza das vestes dos prelados e tudo o que aos olhos dos impolutos guardiões da sociedade sem moral, por tudo ser carne, pudesse render dinheiro, esse, consensualmente digno e globalmente entendido como real valor. Eu, submetido ao jugo da dúvida metódica, da coisa das equidistâncias, da aceitação da diversidade dos olhares, da obrigação - imposta pela tal moral – de sair de mim para encarnar o esfomeado, o doente, o que sofre por desprezo, deixei-me a digerir mais essa dúvida sob o insuportável peso do silêncio auto-infligido.
         O tempo passa; os seus efeitos de bom conselheiro para os sensatos, realizam-se perfidamente nos tontos como meninice tardia, como sentimento de totipotência, castrismo, soarismo, ou simplesmente canavilhismo. Nas esquerdas chiques, aquelas que sabem exactamente o que todo o homem deve desejar e se dispõem a fazer que homem algum possa, por acidente, optar por um caminho só seu, o tempo também lá acabou por fazer o seu efeito: depois das experiências de mumificações apalermadas no Leste e falhadas na América latina, deu-lhes para a “panteonite” em Portugal, a ponto de “santa Engrácia” poder ter de voltar às obras. Estranha esta fé, tão cultivada quão renegada! É estranha essa “fé” como estranho é o valor, tanto dado, como logo deixado de dar, às obras de arte. Mais recentemente, a devota crença de que Portugal deveria comprar os quadros de Miró, “caídos no colo”, mostra à saciedade quão grande colo pode ainda a pátria ser, para alguns – sempre os mesmos.
         Para já, tudo vai calmo. Nas próximas legislativas é a vez, dizem, outra vez dos socialistas. Mais lá para a frente, vou voltar a ouvir falar do que se poderia fazer com o resultado da venda dos bens da Igreja. Poderemos por exemplo ir ao mercado tentar recuperar os santos ícones do catalão, e ampliar o panteão, porque não?



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