O Xico tem a vida toda embrulhada. Está magro, a melhor roupa que usa é velha e coçada, gagueja, solta perdigotos, faltam-lhe as palavras, repete-se, está chato.
Está parado á minha frente agarrado ao copo de fino que esvaziou num trago, quer dizer qualquer coisa que não lhe sai ou que lhe peça outro copo, tem o olho vidrado, larga uns “que’s" guturais, até que lhe sai uma frase completa sem engulhos, bem pronunciada:
- Ela disse ao juiz, que me aturou uma vida inteira.
Peço mais um fino para ele, que o meu está mais de meio. Já não me incomoda aquele olhar sem nada que o sustente, estou com tempo. Contenta-me pensar que o ajudo, a cerveja está bem tirada, o Xico já foi um amigo e agora … é inofensivo.
- Uma vida inteira; como se fosse muito! Que já não me aguenta mais e que só quer aquilo a que tem direito…
- Ainda gostas dela, não é?
- … mas só nos temos um ao outro…
Este tipo está em negação. O tempo vai resolver-lhe o problema, ou convencê-lo, e no fim mata-o, em qualquer caso.
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