segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A Raça

O Sr. Presidente da República possui um mapa social segundo o qual nos enquadra a todos nós e que paulatinamente vai desvendando. Até à data é um mapa simples mas temo que se venha a complicar, podendo até vir a necessitar de um grupo de trabalho, de uma série infinita de inquirições e mesmo de uma polícia.
Como aprendeu na escola de Sócrates, que à falta de qualquer outra coisa se pode sempre dizer que foi um grande político, as necessidades são transformadas em questões de justiça. Assim, sendo a maior necessidade do momento o saque de dinheiro, a todos nós, sermos sacados passou a ser uma questão de justiça. E de que se lembrou? Da reintrodução de impostos sobre as sucessões e as doações!
O nosso querido Presidente da República, que não é bem a mesma coisa que o nosso querido chefe, acha que no momento de se receber aquilo para o qual não se contribuiu, é de toda a justiça que se reparta com o Estado. Portanto, parte do princípio que os filhos do agricultor nunca o ajudaram nos trabalhos do campo, que nunca um filho chegou um balde de massa ao pai que construía a própria casa, jamais a filha da costureira chuleou as bainhas da obra da mãe, em tempo algum os filhos do pescador o ajudaram na faina, ninguém depois de se ter licenciado em engenharia ficou a trabalhar na fabriqueta dos pais com um ordenado de merda, enfim… é então de toda a justiça, não tanto por necessidade, que o filho que herda a casa do pai a tenha que vender para partilhar com o outro herdeiro – o Estado, seja lá o que isso for!
Porque intui que quem herda não contribuiu para a construção da coisa? Por motivos de duas ordens:
- A primeira: Toda a gente sabe que os filhos desde cedo vão estudar para Lisboa e depois ficam a dar aulas, se metem na política e vão trabalhar para o Estado, ficando a ganhar da fazenda pública em qualquer caso.
- A segunda: Toda a gente sabe que já não há indústria familiar, que a que houver vai fechar, que não há pesca artesanal e familiar, que não há agricultura praticamente nenhuma, que fomos (os portugueses) uns bons alunos de professores prepotentes e pedófilos, e que transformamos o “jardim” num oásis. Não temos canudos de fábricas a botar fumo nem efluentes tóxicos, nem o som enervante de serras circulares – é só serviços, bonito serviço! Também já não se faz costura em casa.
A pouca memória não ajuda a lembrarmo-nos do tutor que nos levava pela mão.
Voltando ao mapa social, como os livros nos ensinam, é muito difícil detectar todas as peças do património de um indivíduo; daí que eu tema as infindáveis inquirições, a nova polícia, as provas de vida, impressões palmares (para ver se há calos) e coisas que a minha imaginação não abarca. É muito difícil também prosseguir com o saque ao povo comum – podemos estar já muto para além dos limites. Repararam ou passou despercebido?
Povo comum.
No discurso da festa do povo, foi repetido e repisado: - Povo comum! Taxe-se então nas sucessões e doações.
Povo comum será então aquela pequeníssima percentagem de quem não tem eira nem beira nem casa mesmo que hipotecada. É estranho que o termo “comum” seja aplicado à parte mais pequena, mais estranho é que seja a propriedade a definir distinções no povo e mais ainda que defina seja o que for em matéria de justiça.
No mapa social que o Sr. Presidente vai desvendando aos poucos, temos então no fundo o “Povo comum”, depois o “Povo” e depois a “Raça”. De certeza que há muito mais, eu vou manter-me atento, e passar mais tempo no FB.

JMP

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Mala de cartão


Uma “mala de cartão” é muito mais um elemento da expressão, do espaço emocional ou das figuras de estilo. Não obstante o objecto existe, mesmo que já muito estragado. Com uma mala de cartão na mão parte-se para um futuro, muitas vezes incerto, mas quem transporta algo consigo tem uma determinação qualquer.

No dia que quis mostrar a minha mala de cartão, fiquei a saber que faz anos que o Chiado ardeu. É uma coincidência como outra qualquer … ou não!

Dito 7


Quanto mais choras, menos mijas.

domingo, 21 de agosto de 2011

Ericeira

              Passeando pela Ericeira durante as curtas férias que lá fiz há um ano, entrei numa pequena capela de porta aberta para a rua. Espaço exíguo e antigo, abandonei o olhar para que o percorresse. A miúdo entravam pessoas, mais mulheres que homens, mais residentes que turistas, que faziam um curto silêncio em imobilidade entre duas vénias com cruzes desenhadas com a mão sobre a cabeça e tronco. Recolhi duas folhas A4 de dois montinhos que se exibiam claramente para esse efeito, e também eu me despedi com um “Sinal da Cruz” levando um joelho ao chão.
                As duas folhas de papel ainda as tenho comigo, são as que vos mostro a seguir. A primeira, numa única página, intitula-se “A face mais bela” e está assinada pelo Pároco Armindo Garcia; a segunda, em duas páginas, intitula-se “O frenesim do bem – (Texto copiado do livro “Razões para a alegria” do P. J.L. Martin Descalzo)”
               



domingo, 7 de agosto de 2011

Slim

    SHARP OSAKA     SG - 309 H
    1978

    Designava-se por "monobloco", tudo em um - rádio, gira-discos e deck de cassetes.



    (Slim, em 1978)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Hortênsias

     A partir de uma certa altura, as hortênsias (ou granjas como gosto de lhes chamar) deixam de ter uma simples cor definida como o branco, o azul, o rosa, e ganham um matizado complexo de cores fortes. Mais lá para a frente algumas serão de uma forte cor de ferrugem.

     Mais fotos aqui

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Pirilampo

Corria o mês de Abril de 1985, o tempo estava bom, noite escura de lua nova e eu marchava fardado e de arma à bandoleira com o resto do 2º batalhão de instrução pela Tapada Real. Aquela fase da instrução militar na Escola Prática de Infantaria (EPI) em Mafra designava-se por curso geral milicianos. Era frequente o batalhão fazer marcha nocturna, em duas longas colunas, uma de cada lado dos caminhos ou estradas, som maciço de passos, vozes poucas, grossas e gritadas.
A marcha, mesmo a passo estugado, dava-me prazer e essencialmente espaço para estar comigo que era o que mais me faltava. Mantida a distancia ao homem da frente estava tudo bem, ninguém chateava.
                O ritmo certo dos passos na quietude que a noite põe para a tropa passar era revigorante. O som dos motores dos veículos que encerravam a coluna, lá longe, o cheiro do gasóleo queimado, os feixes de luz a atravessar tudo e a denunciar as nuvens de pó levantadas, o resvalar de botas nos solos secos e pedregosos e os berros, as ordens berradas, imenso o poder gerado pela disciplina! – Chega à frente, chega à frente…
                Tinha só vinte anos, encaixava bem o treino duro, tinha de ser, via-me como num filme, como uma personagem da história, estava a viver uma coisa difícil de explicar, era uma coisa medonha, aquilo não era para todos, eu estava lá!
                - Chega à frente, isto ainda nem começou, chega à frente…
                Ao longe a silhueta irreal do convento distanciava-se.
                - Estão a ver o “calhau”? Ainda vão ter saudades dele!
                Era o que se chamava ao convento, calhau.
                - Chega à frente, formatura da manhã em fato de ginástica, chega à frente…                   
                Ia mudando a G3 de um ombro para o outro para aliviar a sensação de queimadura, uma passada a suceder-se a outra, era Abril, eu era jovem e forte, ao cimo de uma ribanceira uma suave curva à direita ainda a subir e depois uma vereda de matos altos, e uma visão de ficção à altura do melhor de Carl Sagan; numa extensão de centenas de metros uma parede de matos pejados de pirilampos a derramar pelo chão a sua fresca luz verde. Aquilo não era um filme, e eu estava lá. Eu fazia parte de uma cena improvável e sentia-me responsável por uma boa parte daquilo!
                Um dia destes vi uma luzinha verde pequenina nas escadas da nascente. Uma só, um só pirilampo que me fez recordar tanta coisa. Fiz algumas fotografias com muito cuidado consciente que era de mim que se tratava.